É
preciso considerar que ao nomear algo ou alguém se estará determinando
processos de pensamento e de existência. Portanto, há de se ter em mente a
importância do uso e da força da linguagem que, como instrumento de informação
e conhecimento, sempre terá repercussão na construção social do coletivo e do
individual humano que se queira designar.
Por
esse motivo, ao se referir às pessoas com deficiência é importante atentar para
a correta utilização da nomenclatura, uma vez que esta é fruto de longas e
árduas lutas em prol de difíceis conquistas sociais.
No
dizer de Sidney Madruga[1], “a linguagem atribuída às
pessoas com deficiência houve por refletir a percepção social que a elas se
emprestava. Durante anos de história esse tipo de vocabulário esteve
interligado aos aspectos médicos, como consequência do modelo que imperava em
relação à deficiência, ora superado. Em definitivo: de acordo como nos denominam existiremos (destaque nosso). ”
Além
disso, Romeu Sassaki[2] destaca que o maior
problema decorrente do uso de termos incorretos está no fato de que os
conceitos obsoletos, as ideias equivocadas e as informações inexatas podem ser
reforçados e perpetuados. Fato esse que, por sua vez, reforça e perpetua
atitudes muitas vezes preconceituosas e discriminatórias.
Isto
considerado, é preciso que se leve ao público a terminologia correta para uso
na abordagem de assuntos de deficiência a fim de que se desencorajem tais práticas
discriminatórias e se construa uma verdadeira sociedade inclusiva.
A
expressão pessoa com deficiência foi
oficialmente adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) a partir da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual entrou em vigor
em 3 de maio de 2008.
A
citada Convenção, em seu art. 1º utiliza o termo: “pessoas com deficiência (destaque nosso) são aquelas que têm
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas. ”
Todavia,
passados praticamente dez anos desde que todo o conteúdo da Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência foi incorporado à Constituição Federal do
Brasil, por meio do Decreto Legislativo n. 186, de 9/7/2008, e do Decreto n.
6.949, de 25/8/2009, ainda se verifica — em comunicações escritas e orais — o
uso de terminologias superadas ao longo do tempo a partir de 1933.
Ainda
é possível encontrar termos como “pessoas deficientes”, “pessoas portadoras de
deficiência” (presente, ainda, em diversas passagens da Constituição Federal de
1988) e “portadores de deficiência”. Tais expressões subsistem, ainda que o
termo pessoas com deficiência tenha
sido, desde 2015, albergado pela Lei 13.146, de 6 de julho e 2015 (Lei
Brasileira de Inclusão - LBI) em seu art. 2º.
Referindo
à essa nomenclatura obsoleta, Madruga[3] faz notar que “a
deficiência é inerente à pessoa que a possui. Não se carrega, não se porta, não
se leva consigo, como se fosse algo sobressalente ou um objeto. Tampouco
deficiência traz alguma sinonímia com doença e não é expressão antônima de
eficiência (que tem seu contrário em ineficiência). Deficiência significa
falha, falta, carência, isto é, a pessoa carece, tem limitadas determinadas
faculdades físicas (paraplegia), mentais (paralisia cerebral), intelectuais
(funcionamento intelectual inferior à média) e sensoriais (surdez).
Além
disso, de acordo com o art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e com o art. 2º da LBI, a deficiência dever ser entendida não
apenas como a existência de uma falha, falta ou carência, mas, especialmente,
em relação ao grau de dificuldade de interação com o ambiente social, familiar
e profissional.
Em
alguns momentos, além daqueles termos, ainda se registram expressões como “pessoas
com necessidades especiais”, “portadores de necessidades especiais”,
“portadores de direitos especiais”. Todavia, o adjetivo especial não tem em si
qualquer diferença e muito menos constitui uma característica exclusiva das
pessoas com deficiência. O mesmo se diga do termo “direitos especiais”.
Ademais, tais neologismos têm o condão de diluir das diferenças sob o pretexto
de que “todos somos imperfeitos”[4].
Conforme
mencionado, a construção de uma verdadeira sociedade solidária e inclusiva,
portanto democrática, passa também pelo cuidado com a linguagem, uma vez que
nela se expressa, voluntariamente ou involuntariamente, o respeito ou a
discriminação em relação às pessoas com deficiências. Assim, todos esses termos
inexatos, bem como todo e qualquer uso de expressões pejorativas, como
“ceguinho”, “mongol”, “retardado mental”, devem ser relegados ao passado.
Usar
ou não usar termos técnicos corretamente não é uma mera questão semântica, a
terminologia correta é especialmente importante quando se aborda assuntos tradicionalmente
eivados de preconceitos, estigmas e estereótipos, como é o caso das
deficiências que aproximadamente 10% da população possuem.
Valéria
Cristina Gomes Ribeiro
Coordenadora
da Comissão de Acessibilidade do TCU
[1]
MADRUGA, Sidney. Pessoas com Deficiência e Direitos Humanos. 2ª edição. São
Paulo: Saraiva, 2016, p. 23.
[2]
SASSAKI, Romeu Kazumi. Terminologia sobre deficiência na esta da inclusão. Revista Nacional de Reabilitação, São
Paulo, ano 5, n. 24, p. 6-9, jan/fev 2002.
[3]
Idem, op. cit., p. 19-20.
[4]
SASSAKI, Romeu Kazumi, op. cit. Disponível em: https://acessibilidade.ufg.br/up/211/o/TERMINOLOGIA_SOBRE_DEFICIENCIA_NA_ERA_DA.pdf?1473203540.
Acesso em abr. 2018.
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